textimagens - rosaura soligo

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

o tempo corre mais depressa por aqui

 
[texto e imagens de leonardo soares]
Corria a tarde de domingo, preguiçosa, vadia como quem antecede a segunda. Charles Tonão tomava a décima terceira dose de rabo de galo no boteco da dona Clemência da rua 8 de março. Sentia calor, o sangue na veia, dose dupla, galo com rabo, galo de rinha, navalha na carne. Vontade de uivar feito cão, brigar como cão, amar como amam os cachorros de rua. Enxugou a testa na camisa empapada de suor, arregaçou as mangas, pagou o que devia, rompeu com os peitos a porta cowboy. Saiu pra rua. A cidade trocava o dia pela noite. Charles subia contra a enxurrada da Ladeira da Memória, Consolação, procurava lua alta em noite cinza, cadela no cio em dia de reis, caçava alegria de sexta quente em domingo chuvoso. Camisa aberta seis botões, passo largo morro acima.
Enterro de burguês no cemitério dos Matarazzo, cachorro vagabundo farejando sexo, Tonão via crucis, solidão, espora de ouro o molar esquerdo feito pelo ourives Piauí no rincão de Eldorado do Juma. Fortuna gastada em noite de carteado, aposta, putaria na cidade grande. Peleja com chofer, homens aventureiros de toda sorte, cicatriz de vidro de garrafa cruzando a fronte. Marca da vida bandida, apartada das salas de aula das unis de São Paulo: Nove, Ban, Santana, São Paulo, Católica. Solto vivido, queimado a ferro, ferido a fogo. Nos eldorados caçando riqueza, metal precioso no solo dos garimpos, sonho de bamburrar, estourar no norte e viver vida de barão no sul, onde o céu é mais cinza.
As luzes dos postes acendiam de uma vez quando era quase noite escura, observou. Charleston entendeu o custo da facilidade da noite da capital. O ouro trocado na República, noventa e oito ou nove por cento de pureza, tirado da terra, rés do chão, foi confiado aos prazeres dos cafetões, gastado apoiado nos balcões dos clubes masculinos, Americans Drinks, Vira Virou, Casarão. Noites em claro, flutuando, deslizando o betume da babilônia, experimentando as putas da cidade, peso de ouro o grama de cocaína da Vai-Vai.
Euforia, alegria desmedida, improvável nas currutelas. O tempo corre mais depressa por aqui, ligeiro pé de vento, ouro diluído da noite para o dia. A cidade já não acolhe o farasteiro sem riqueza, parece gelado o verão paulistano.
Charles Tonão voltará para a lida no garimpo.

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